Muitos aspectos da vida de Averróis [1126–1198] são repetidos na de Maimônides (1138–1204). Ambos nasceram em Córdoba [Espanha], ambos foram filhos de juízes religiosos, ambos foram doutos em direito e medicina e ambos viveram vidas errantes, dependentes do favorecimento de príncipes e dos caprichos da tolerância. Expulso de Córdoba pelos fundamentais Almohads quando tinha treze anos, Maimônides migrou com seus pais para Fez [Marrocos], em seguida para Acre [Israel] e finalmente se estabeleceu no Cairo [Egito]. Nesta cidade, durante cinco anos foi presidente da comunidade judaica, e a partir de 1185 médico da corte para o vizir de Saladino.
Em sua existência, na fama se deveu sobretudo a seus estudos rabínicos: escreveu uma condensação da Torá se esboçou uma lista definitiva de mandamentos divinos (totalizando não dez, mas 613). Mas sua duradoura influência por todo o mundo foi devida a um livro que escreveu em árabe na ultima parte de sua vida, o Guia dos perplexos. O objetivo deste livro era harmonizar as aparentes contradições entre filosofia e religião que perturbavam crentes educados. Segundo Maimônides, o ensinamento bíblico e o aprendizado filosófico se completaram; o autêntico conhecimento da filosofia é necessário caso se pretenda ter a plena compreensão da Bíblia onde os dois parecem contradizer-se, as dificuldades podem ser resolvidas mediante uma interpretação alegórica do texto sagrado.
Maimônides foi sincero ao reconhecer seu débito com os filósofos muçulmanos e pagãos. Seu interesse pela filosofia despertou cedo e com dezesseis ano compilou um vocabulário de lógica sob a influência de Al-Farabi. Também leu Avicena, mas lhe causou menos impressão. Seu maior débito foi com Aristóteles, cujo gênio era por ele considerado o cume da inteligência puramente humana. Mas era impossível compreender Aristóteles — escreve ele — sem o auxílio da série de comentários que culminaram com os de Averróis.
O projeto de Maimônides de harmonizar a filosofia com a religião está na dependência de sua opinião densamente agnóstica da natureza da teologia. Não e possível dizer nada de positivo acerca de Deus, uma vez que ele nada tem em comum com pessoas como nós: desprovido de matéria e totalmente ato, imune a mudança e destruído de qualidades, Deus está infinitamente distante das criaturas. Ele e uma unidade simples e não possui atributos distintos tais como justiça e sabedoria. Quando atribuídos predicados ao nome divino, quando como dizemos ‘‘Deus é sábio’’, estamos realmente dizendo o que Deus realmente não é: queremos dizer que Deus não é tolo. A tentativa de louvar a Deus atributos epítetos laudatórios humanos ao seu nome é como elogiar, por sua arrecadação acumulada em prata, um monarca cujo tesouro do reino é todo em ouro.
O significado de ‘‘conhecimento’’, o significado de ‘‘propósito’’ e o significado de ‘‘providência’’, quando atribuídos a nós, diferem dos significados desses termos quando atribuídos a Ele. Quando as duas providências, ou dois conhecimentos, ou propósitos são considerados como tendo um único significado idêntico, surgem dificuldades e dúvidas. Quando, por outro lado, sabe-se que tudo e atribuído a nós é diferente de tudo que é atribuído a Ele, a verdade se torna manifesta. (Guia, 3.20)*
Não temos como descrever Deus, sustenta Maimônides, a não ser por meio da negação. Se não pretendermos cair na idolatria, devemos explicar como metáfora ou alegoria todos os textos antropomórficos presentes na Bíblia.
Se a meta e conciliar religião e aristotelismo, terão que ser feitos concessões de ambos os lados. Para ilustra a maneira de Maimônides executar seu projeto de conciliação, podemos considerar dois exemplos: a doutrina da criação e a doutrina da providência. No caso da criação, é a cosmologia aristotélica que tem que ceder; no caso da providência, dever-se ensinar a sabedoria á devoção tradicional.
Como crente na doutrina hebraica segundo a qual o mundo foi criado no tempo, Maimônides rejeitou a concepção aristotélica de um universo eterno e apresentou críticas de argumentos filosóficos que visam mostrar que o tempo não poderia ter nenhum começo. Mas ele não acreditou que a razão por si só, sem ajuda, fosse capaz de estabelecer a verdade da criação. Os seres humanos não podem deduzir a origem do mundo, com base no mundo como é agora, tanto quanto um homem que nunca houvesse conhecido uma mulher poderia compreender como os seres humanos vêm a existência. Maimônides rejeitou a opinião de Aristóteles de que o mundo consistia de espécies fixas e necessárias. É vergonhoso pensar, ele diz, que Deus não poderia encompridar a asa de uma mosca.
Por outro lado, não devemos pensar que o governo do universo por parte de Deus diz respeito a cada evento individual no mundo: sua Providência concerne aos seres humanos individualmente, mas diz respeito a outras criaturas apenas no geral.
A Providência divina somente zela pelos indivíduos pertencente à espécie humana, e exclusivamente nessa espécie todas as circunstâncias dos indivíduos bem como o bem e o mal que lhes sucedem são conseqüências de seus méritos ou deméritos. Porém, no que toca a todos os demais animais e, mais ainda, às plantas e outras coisas, minha opinião é a de Aristóteles. De fato, de modo algum creio que este particular folha caio devido a uma Providência que zela por ela; nem que esta aranha devorou esta mosca porque Deus agora decretou e quis algo relativo a indivíduos. [ . . . ] Pois tudo isso, em minha opinião, deve-se ao puro acaso, como e sustentado por Aristóteles. (Guia, 3.17)
Apesar disso, a intenção de Maimônides era ortodoxa e realmente devota. O objetivo da vida, ele insiste, é conhecer, amar e imitar Deus. O profeta pode aprender mais rapidamente do que o filósofo o pouco que há para ser conhecido de Deus. O conhecimento dever conduzir ao amor — um amor que é expresso na imitação desapaixonada da ação da divina a ser encontrada nas vidas de profetas e legisladores bíblicos. Aqueles que não são nem profetas nem filósofos têm que ser induzidos às boas ações mediantes histórias, que são menos do que verdadeiras, com a de que Deus atende às preces e fica irado com o pecado.
Como Averróis, Maimônides entrou em conflito com crentes conservadores que consideraram blasfema sua interpretação dos textos sagrados. De fato, alguns judeus na França procuraram angariar o apoio da Inquisição na tentativa de caracterizar suas heresias. Mas, diferentemente de Averróis, Maimônides, após sua morte, manteve o interesse e o respeito de seus correligionários, bem como o dos cristãos latinos.
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* Trad. S. Pines, Chicago, Chicago University Press, 1963, 2 vols.
REFERÊNCIA:
Anthony Kenny, Uma nova história da filosofia ocidental, volume 2: filosofia medieval, trad. Carlos Alberto Bárbaro, São Paulo, Loyola, 2008, pp. 72–74.
Um ponto de relevância apresentado no texto é a visão do autor sobre a incapacidade humana de descrever Deus, restando apenas uma forma de dizer o que ele não é. No periodo medieval essa estratégia de sair do impasse da incapacidade humana da descrição divina ficou conhecida como "Teologia Negativa". Muito bom o conteúdo crítico do texto... parabens...
ResponderExcluirMAIMONIDES: FIGURA ILUSTRE NA SISTEMATIZAÇÃO DA TEOLOGIA MEDIEVAL, COM A SUA OBRA SOBRE DIVINA PROVIDÊNCIA,OS INDIVÍDUOS E A RELAÇÃO À ESPÉCIE HUMANA.NÃO ESQUEÇAMOS DELE NAS COISAS DA TRANSCENDENTALIDADE.
ResponderExcluirO texto começa relacionando a vida de Averróis com a de Maimônides e destacando a razão da influência deste em todo o mundo devido a sua obra na qual ele confirma a importância do conhecimento bíblico e do aprendizado filosófico, harmonizando-se mutuamente. Sua visão foi formada a partir de Aristóteles, almejando uni-lo à religião, acabou por rejeitar algumas de suas ideias. É interessante observar o amor intenso de Maimônides por Deus, nessa busca de conhecê-lo pelo conhecimento.
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ResponderExcluirÉ digna de nota a influência que a Teologia Negativa difundida que Pseudo Dionísio exerceu. Maimônides parece ter a sofrido fortemente quando nega a possibilidade de um teologia positiva acerca da natureza de deus. Não é possível conhecer a Deus através da razão, esta é a lição. A natureza de Deus é uma questão que cabe apenas à própria Revelação divina e não a especulações do intelecto, que no máximo podem dizer o que Deus NÃO É.
ResponderExcluirPara Maimônides em uma tentativa de harmonizar a filosofia com a religião, diz que não é possível dizer nada de positivo acerca de Deus, uma vez que ele nada tem em comum com pessoas como nós: desprovido de matéria e totalmente ato, imune a mudança e destruído de qualidades, Deus está infinitamente distante das criaturas. Ele é uma unidade simples e não possui atributos distintos tais como justiça e sabedoria. Não temos como descrever Deus, a não ser por meio da negação,se pretendermos cair na idolatria, devemos explicar como metáfora ou alegoria todos os textos antropomórficos presentes na Bíblia.
ResponderExcluirE bastante interessante como Maimônides articula com as filosofias aristotélicas, platônicas e com a teologia na arqumentação apologética ao criacionismo.
ResponderExcluirVale enfatizar que segundo Maimônides ,a Lei(divina)e a filosofia devem ser conciliadas,mesmo tendo naturezas diferentes.Os objetivos da filosofia,para ele,são a demonstração e a confirmação da Lei;a existência de Deus e sua corporeidade podem ser demonstrada racionalmente. Maimônides de forma semelhante que Al-Farabi,afirma que as coisas são contingentes e,por tanto, reclamam a existência de um Ser necessário,Deus.
ResponderExcluirpostado por:Bárbara Maria
É interessante observar no texto que a filosofia aristotélica estava completamente enraizada no pensamento medieval. Maimônides é um filosofo judeu que foi influenciado pelo pensamento árabe, especialmente alfarabi. Sua obra principal foi o (guia dos perplexos) tem como objetivo resolver à aparente tensão entre filosofia e religião, estabelecendo uma relação entre elas. É notório o que foi exposto no texto a forte influencia da teologia negativa, onde deixa claro que Deus é um ser que não existem conceitos ou palavras que possa explicá-lo, Pois estar completamente distantes das criaturas. No que diz respeito a historia da filosofia medieval fica bastante coerente o que foi exemplifica no texto.
ResponderExcluir"É interessante observar no texto que a filosofia aristotélica estava completamente enraizada no pensamento medieval."
ResponderExcluirNão seria o contrário? Que a filosofia medieval estaria enraizada no pensamento aristotélico?
Os textos de Maimônides traz uma filosofia enraizada no pensamento Aristotelico, onde tem como objetivo exclarecer a influencia teologica e deixando claro a existencia Deus.
ResponderExcluirMaimônides buscou harmonizar a filosofia com os ensinamentos bíblicos, para ele era necessário o autêntico conhecimento da filosofia para que se tenha uma plena compreensão das escrituras Sagradas. Sua grande contribuição foi sem dúvida, o que chamamos de “Teologia Negativa”, segundo a qual é de conhecimento que, não se pode dizer nada acerca da existência de Deus.
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