segunda-feira, 20 de junho de 2011

Maimônides



Anthony Kenny (2008: 72–74) escreve:
Muitos aspectos da vida de Averróis [1126–1198] são repetidos na de Maimônides (1138–1204). Ambos nasceram em Córdoba [Espanha], ambos foram filhos de juízes religiosos, ambos foram doutos em direito e medicina e ambos viveram vidas errantes, dependentes do favorecimento de príncipes e dos caprichos da tolerância. Expulso de Córdoba pelos fundamentais Almohads quando tinha treze anos, Maimônides migrou com seus pais para Fez [Marrocos], em seguida para Acre [Israel] e finalmente se estabeleceu no Cairo [Egito]. Nesta cidade, durante cinco anos foi presidente da comunidade judaica, e a partir de 1185 médico da corte para o vizir de Saladino.
Em sua existência, na fama se deveu sobretudo a seus estudos rabínicos: escreveu uma condensação da Torá se esboçou uma lista definitiva de mandamentos divinos (totalizando não dez, mas 613). Mas sua duradoura influência por todo o mundo foi devida a um livro que escreveu em árabe na ultima parte de sua vida, o Guia dos perplexos. O objetivo deste livro era harmonizar as aparentes contradições entre filosofia e religião que perturbavam crentes educados. Segundo Maimônides, o ensinamento bíblico e o aprendizado filosófico se completaram; o autêntico conhecimento da filosofia é necessário caso se pretenda ter a plena compreensão da Bíblia onde os dois parecem contradizer-se, as dificuldades podem ser resolvidas mediante uma interpretação alegórica do texto sagrado.
Maimônides foi sincero ao reconhecer seu débito com os filósofos muçulmanos e pagãos. Seu interesse pela filosofia despertou cedo e com dezesseis ano compilou um vocabulário de lógica sob a influência de Al-Farabi. Também leu Avicena, mas lhe causou menos impressão. Seu maior débito foi com Aristóteles, cujo gênio era por ele considerado o cume da inteligência puramente humana. Mas era impossível compreender Aristóteles — escreve ele — sem o auxílio da série de comentários que culminaram com os de Averróis.
O projeto de Maimônides de harmonizar a filosofia com a religião está na dependência de sua opinião densamente agnóstica da natureza da teologia. Não e possível dizer nada de positivo acerca de Deus, uma vez que ele nada tem em comum com pessoas como nós: desprovido de matéria e totalmente ato, imune a mudança e destruído de qualidades, Deus está infinitamente distante das criaturas. Ele e uma unidade simples e não possui atributos distintos tais como justiça e sabedoria. Quando atribuídos predicados ao nome divino, quando como dizemos ‘‘Deus é sábio’’, estamos realmente dizendo o que Deus realmente não é: queremos dizer que Deus não é tolo. A tentativa de louvar a Deus atributos epítetos laudatórios humanos ao seu nome é como elogiar, por sua arrecadação acumulada em prata, um monarca cujo tesouro do reino é todo em ouro.
O significado de ‘‘conhecimento’’, o significado de ‘‘propósito’’ e o significado de ‘‘providência’’, quando atribuídos a nós, diferem dos significados desses termos quando atribuídos a Ele. Quando as duas providências, ou dois conhecimentos, ou propósitos são considerados como tendo um único significado idêntico, surgem dificuldades e dúvidas. Quando, por outro lado, sabe-se que tudo e atribuído a nós é diferente de tudo que é atribuído a Ele, a verdade se torna manifesta. (Guia, 3.20)*
Não temos como descrever Deus, sustenta Maimônides, a não ser por meio da negação. Se não pretendermos cair na idolatria, devemos explicar como metáfora ou alegoria todos os textos antropomórficos presentes na Bíblia.
Se a meta e conciliar religião e aristotelismo, terão que ser feitos concessões de ambos os lados. Para ilustra a maneira de Maimônides executar seu projeto de conciliação, podemos considerar dois exemplos: a doutrina da criação e a doutrina da providência. No caso da criação, é a cosmologia aristotélica que tem que ceder; no caso da providência, dever-se ensinar a sabedoria á devoção tradicional.
Como crente na doutrina hebraica segundo a qual o mundo foi criado no tempo, Maimônides rejeitou a concepção aristotélica de um universo eterno e apresentou críticas de argumentos filosóficos que visam mostrar que o tempo não poderia ter nenhum começo. Mas ele não acreditou que a razão por si só, sem ajuda, fosse capaz de estabelecer a verdade da criação. Os seres humanos não podem deduzir a origem do mundo, com base no mundo como é agora, tanto quanto um homem que nunca houvesse conhecido uma mulher poderia compreender como os seres humanos vêm a existência. Maimônides rejeitou a opinião de Aristóteles de que o mundo consistia de espécies fixas e necessárias. É vergonhoso pensar, ele diz, que Deus não poderia encompridar a asa de uma mosca.
Por outro lado, não devemos pensar que o governo do universo por parte de Deus diz respeito a cada evento individual no mundo: sua Providência concerne aos seres humanos individualmente, mas diz respeito a outras criaturas apenas no geral.
A Providência divina somente zela pelos indivíduos pertencente à espécie humana, e exclusivamente nessa espécie todas as circunstâncias dos indivíduos bem como o bem e o mal que lhes sucedem são conseqüências de seus méritos ou deméritos. Porém, no que toca a todos os demais animais e, mais ainda, às plantas e outras coisas, minha opinião é a de Aristóteles. De fato, de modo algum creio que este particular folha caio devido a uma Providência que zela por ela; nem que esta aranha devorou esta mosca porque Deus agora decretou e quis algo relativo a indivíduos. [ . . . ] Pois tudo isso, em minha opinião, deve-se ao puro acaso, como e sustentado por Aristóteles. (Guia, 3.17)
Apesar disso, a intenção de Maimônides era ortodoxa e realmente devota. O objetivo da vida, ele insiste, é conhecer, amar e imitar Deus. O profeta pode aprender mais rapidamente do que o filósofo o pouco que há para ser conhecido de Deus. O conhecimento dever conduzir ao amor — um amor que é expresso na imitação desapaixonada da ação da divina a ser encontrada nas vidas de profetas e legisladores bíblicos. Aqueles que não são nem profetas nem filósofos têm que ser induzidos às boas ações mediantes histórias, que são menos do que verdadeiras, com a de que Deus atende às preces e fica irado com o pecado.
Como Averróis, Maimônides entrou em conflito com crentes conservadores que consideraram blasfema sua interpretação dos textos sagrados. De fato, alguns judeus na França procuraram angariar o apoio da Inquisição na tentativa de caracterizar suas heresias. Mas, diferentemente de Averróis, Maimônides, após sua morte, manteve o interesse e o respeito de seus correligionários, bem como o dos cristãos latinos.
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* Trad. S. Pines, Chicago, Chicago University Press, 1963, 2 vols.

REFERÊNCIA:

Anthony Kenny, Uma nova história da filosofia ocidental, volume 2: filosofia medieval, trad. Carlos Alberto Bárbaro, São Paulo, Loyola, 2008, pp. 72–74.